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Artigo sobre Alexander von Humboldt e a Geografia

Em 2005 escrevi um artigo sobre Alexander von Humboldt baseado nas leituras para a disciplina do mestrado em Geografia na Unicamp ministrada pelo Prof. Antonio Carlos Vitte. Ele foi publicado na Revista Caminhos de Geografia em 2008.


A Geografia de Alexander von Humboldt: diálogos entre arte e complexidade


Resumo

Este artigo trata das conexões e das heranças do pensamento de Alexander von Humboldt na geografia. O objetivo é expor as conexões do pensamento de Humboldt com as mais recentes abordagens da filosofia da ciência (teorias da relatividade e do caos, complexidade, cibernética, ambientalismo e interdisciplinaridade). Este artigo é um exercício de abstração que propõe identificar a herança de pensamentos e as práticas de Humboldt desde a perspectiva das pesquisas geográficas atuais. Para isso realizo um levantamento breve da carreira de Humboldt, associando seu relacionamento com relevantes pensadores europeus como influenciadores do seu pensamento. Também faço a exposição de algumas tendências filosóficas e pedagógicas recentes em que o pensamento e a prática de Humboldt podem ser claramente percebidos. O artigo demonstra que a influência de Humboldt persiste dois séculos depois na geografia brasileira, o que faz dele um dos grandes pioneiros das abordagens geográficas atuais.


Estrutura do artigo

1. Introdução
2. Uma outra geografia
3. Humboldt e a geografia
4. Pensamento de Kant em Humboldt
5. Mecanicismo ou vitalismo
6. Holismo e macroscopia
7. Considerações finais
8. Bibliografia

Alguns trechos e figuras

FIGURA 1 – Diferenças no ponto de vista dos vitalistas e dos mecanicistas.


Fonte: LEWIN, Roger. Complejidad: El caos como generador del orden. Barcelona: Tusquets Ediciones, 2002. 243 pp.

Roger Lewin (LEWIN, 2002), um grande entendido na questão dos estudos da complexidade, procura representar graficamente as diferenças entre as visões de mundo dos vitalistas e a dos mecanicistas (Fig. 1). Na sua tentativa as duas visões são confrontadas, bem de acordo com a interpretação dialética, de tese e antítese, que foi proposta anteriormente.

Assim, os vitalistas, crentes da existência de uma alma, “força ou centelha vital”, partem da análise da estrutura global e universal, para descobrir as interações locais, no nível da unidade. No sentido contrário, os mecanicistas, reduzindo tudo às leis da física, partem de uma abordagem local mínima para chegar ao global e às leis universais.

Como podemos observar, a proposta simplificadora e didática de Lewin exclui o holismo do contexto das visões de mundo, o que reforça nossa intenção em apresentar o tema da visão holística num próximo item, e sua representação, na figura 2.


FIGURA 2 – Representação das diferentes visões: através do telescópio (telescope), do microscópio (microscope) e do macroscópio (macroscope).




Fonte: ROSNAY, Joël de. The Macroscope: a new world scientific system. London: Harper & Row, 1979. Disponível em http://pespmc1.vub.ac.be/macroscope/default.html

Ao invés de chamar de “cosmovisão”, preferimos utilizar uma derivação da palavra "macroscope" (macro, grande, e skopein, observar) que foi cunhada por Joël de Rosnay (ROSNAY, 1975) para expressar uma nova visão sobre o mundo (Fig. 2). Uma visão qualitativamente e quantitativamente diferente da obtida com o uso do telescópio para focalizar o infinitamente grande, de um lado, e do microscópio para olhar o infinitamente pequeno, de outro. O “macroscópio”, pelo contrário, rompe com esta dicotomia ou ditadura do olhar, e proporciona uma visão orientada para captar as interconexões da relação natureza-sociedade, uma visão voltada para o infinitamente complexo. 

Mas, o que mais chama atenção nesta “expressão imagética”, de macroscopía, criada por Rosnay - um pensador da complexidade, da cibernética, da cibercultura, dos ciborgues, e outros cibers -, casa-se bem com a idéia que temos do ponto de vista (standpunkt) de Humboldt. Esse movimento de ir e vir com o olhar, esse possível “trânsito” multi-escalar do observador de acordo com o ponto de vista, esse jogo de alternância do olhar telescópico do macrocosmo para o olhar microscópico do microcosmo, ao mesmo tempo.

Pelas palavras de Rosnay (1975: 10): “O macroscópio não é uma ferramenta como as outras. Ele é um instrumento simbólico constituído de vários métodos e técnicas emprestadas de diferentes disciplinas. (...) O macroscópio pode ser considerado o símbolo de uma nova maneira de ver, entender e agir”. Ou ainda, uma ferramenta que “filtra os detalhes e amplifica as interconexões que os unem”.

(...)

A relação com Humboldt é ainda maior se lembrarmos da didática, da interdisciplinaridade e da “inutilidade” almejadas por ele, e o que diz no prefácio do Cosmos (Humboldt, 1978: XXVIII apud Ricotta, 2003: 201): “A pintura geral da natureza desce das mais remotas manchas nebulosas e da gravitação em torno das estrelas duplas das regiões do espaço até os fenômenos telúricos da geografia dos organismos (plantas, animais, raças de homens)”.

Assim, percebemos a aproximação do macroscópio com o standpunkt que permite pintar a natureza através de um jogo de escalas (particular e universal, micro e macro) tão próprio da geografia, e que fica muito evidente na discussão da síntese holismo e do simbólico em Schelling.


Referência:


DAGNINO, Ricardo de Sampaio. A Geografia de Alexander von Humboldt: Diálogos entre Arte e Complexidade. Caminhos da Geografia (UFU. Online), v. 9, p. 65-83, 2008. 

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