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Discursos ecológicos e esporte - preparando a Copa do Mundo de 2014 no Brasil

Duas reportagens publicadas no caderno de Esporte da Folha de São Paulo de 29/08/2009 mostram como o discurso está longe da prática sobre a questão da preservação nos estados da região Norte que pretendem abrigar jogos da Copa do Mundo de 2014 no Brasil.

As reportagens são "Candidatas usam maquiagem verde", assinada por JOÃO CARLOS MAGALHÃES, KÁTIA BRASIL E RODRIGO VARGAS, da sucursal da Folha em Belém, Manaus e Cuiabá; e "Evento pode expor ferida amazônica" de Mariana Bastos. 

Eles estão de parabéns!

Abaixo a reprodução das mesmas e o infográfico que só a Folha sabe fazer.

Folha de São Paulo, sexta-feira, 29 de maio de 2009

Candidatas usam maquiagem verde

Desde a confirmação do Brasil como sede da Copa de 2014, em outubro de 2007, algumas cidades do Norte e do Centro-Oeste tentam associar suas candidaturas a aspectos relacionados ao ambiente. Em alguns casos, entretanto, a propaganda verde não corresponde à realidade ambiental.

Capitais dos Estados líderes em desmatamento da Amazônia brasileira, Belém (PA) e Cuiabá (MT) são as que apresentam realidades mais distantes da alardeada "Copa Verde".

A capital paraense, que disputa com Manaus e Rio Branco a sede amazônica do Mundial, tenta fazer com que a devastação já perpetrada na região seja esquecida. Em material publicitário do governo do Estado para a Copa, cita-se que "Belém é cidade verde" e que "verde é o que não falta no Pará".

Mas, na região metropolitana de Belém, a quantidade de metro quadrado de floresta per capita caiu de 211 para 176 de 2001 a 2006, diz estudo do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).

Além disso, o Estado liderou o ranking de desmatamento da Amazônia em 2008 por ter devastado uma área superior a três vezes o tamanho do município de São Paulo.

Para o governo paraense, o importante são as tentativas de brecar a destruição da mata.

"Temos mapeadas diversas ações que estão em andamento, como as criações de unidades de conservação, as ações de controle ambiental e a gestão integrada de resíduos sólidos", enumera Lucia Penedo, coordenadora do comitê de candidatura da Copa em Belém. "Queremos mostrar que somos o portal da Amazônia."

Já Manaus argumenta que tem mais de 90% de sua cobertura vegetal preservada. Nos últimos seis anos, a taxa de desmatamento na região caiu 69,2%, de acordo com o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

"Tem muito mais floresta em Manaus do que em Belém e em Cuiabá. Agora, tudo depende da BR-319 [rodovia que liga Manaus a Porto Velho]. É totalmente inconsistente essa postura [de se vender ecologicamente] com a abertura dessa estrada", afirma Philip Fearnside, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia).

No trajeto da BR-319, cuja pavimentação será bancada pelo governo federal, está uma das maiores concentrações de biodiversidade da Amazônia. Pesquisas demonstram que rodovias amazônicas tendem a desmatar faixas de até 30 km em ambas as margens.

O governador do Amazonas, Eduardo Braga (PMDB), já defendeu que se construa ali uma ferrovia, menos nociva.

Entre as cidades candidatas à Copa na Amazônia, Rio Branco (AC) é a capital do Estado com menor índice de desmatamento da floresta. A capital acriana se remete à imagem do ícone da luta ambiental Chico Mendes, assassinado há 20 anos, para celebrar sua campanha.

Usando também slogans ambientais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul têm o Pantanal como esperança para convencer a Fifa a escolher Cuiabá ou Campo Grande como sede.

Nas campanhas publicitárias, o mote da "Copa no Pantanal" cobriu as duas cidades com fotografias de tuiuius, araras e peixes da região.

Para entidades ambientalistas dos dois Estados, como a Ecoa (Ecologia e Ação) e a Remtea (Rede Mato-grossense de Educação Ambiental), no entanto, a realidade das políticas públicas para o bioma não se encaixa na imagem descrita pelos materiais de divulgação das candidaturas.

O prefeito de Campo Grande, Nelson Trad (PMDB), diz que o Estado é "exemplo de desenvolvimento sustentável".

No caso de Mato Grosso, a campanha de sua capital Cuiabá, que é baseada no slogan "A Copa do Pantanal", ainda oculta o fato de que o Estado é o segundo maior desmatador da Amazônia segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) de 2008.

O governo do Estado, no entanto, diz que tem conseguido reverter as taxas de desmatamento. Desde 2004, a devastação vem caindo em Mato Grosso, mas, em 2008, ainda se manteve alta, o correspondente a dois municípios de São Paulo.

(JOÃO CARLOS MAGALHÃES, KÁTIA BRASIL E RODRIGO VARGAS)




Evento pode expor ferida amazônica

MARIANA BASTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
 

Se hoje a Amazônia é usada como vitrine para as cidades candidatas à Copa exporem seus atributos ambientais, no futuro, em 2014, a maior floresta tropical do mundo pode vir a ser a vidraça do Mundial no Brasil. Essa é a constatação de ambientalistas e pesquisadores consultados pela Folha.
"Não adianta falar em Copa verde se não houver meios imediatos para que o evento promova melhorias nas questões socioambientais", afirma Paulo Moutinho, diretor de pesquisas do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
"Uma dessas ações seria promover a compensação de emissões de carbono da Copa. Outra seria expor metas para a redução de desmatamento", sugeriu.
Durante o anúncio do Brasil como sede da Copa, na Suíça, em 2007, o tema ambiental teve forte presença na cerimônia. O governador do Amazonas, Eduardo Braga (PMDB), foi o escolhido para discursar. A CBF preparou vídeo no qual foram exibidas maravilhas naturais.
A realidade, porém, é mais ameaçadora do que a "Copa Verde" propalada.
"Hoje, mesmo com a queda do desmatamento, há a devastação de o equivalente a cinco campos de futebol por minuto na Amazônia", alerta Paulo Adário, diretor do Greenpeace Amazônia.
Segundo o relatório do IPCC, o painel do clima da ONU, o desmatamento é responsável por 20% das emissões de carbono no mundo. E o Brasil é o quinto maior emissor desse gás, justamente devido às taxas de desmatamento na Amazônia.
Para Roberto Smeraldi, diretor da Amigos da Terra Amazônia Brasileira, o fato de o país sediar um evento como a Copa pode atrair ainda mais as atenções da mídia internacional sobre o tema, assim como ocorreu na China, com a Olimpíada de 2008.
"Na China, antes do início dos Jogos, falou-se muito em outras coisas, como poluição. Então, seria interessante [para o movimento ambiental] ter a imprensa cobrindo a Copa em algum desses lugares líderes de desmatamento, como Mato Grosso e Pará", comentou.

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